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100 dias de governo, o que de fato aconteceu para quem é uma pessoa negra?

  • Admin 

Quem se interessa pela área econômica com certeza tem acompanhado todos os questionamentos e cobranças feitas pelo setor a Haddad e sua equipe. O interessante  é que ninguém está constrangido de perguntar ao ministro e sua equipe o que tem de concreto para a área/setor que elas atuam após esses 100 dias? 

Nenhum representante dos setores considerado como de alteração da realidade do país está deslegitimando ou isolando pensadores que têm buscado refletir e pontuar o quanto é preciso avançar, ainda que se tenha boa vontade e muito a ser feito. Diferentes meios de comunicação debatem as ações de governo e o impacto para suas áreas de interesse. E olhe que se a gente pensar na perspectiva das pessoas brancas, Lula nomeou 37 ministros, sendo menos de 10 negros. Então o que faz com que elas estejam preocupadas, debatendo ou até mesmo descontentes? 

 Claro que não tenho respostas para isso. Mas se começarmos pelo básico, emprego, as pessoas negras já adentram esses 100 dias em desvantagens. De acordo com a pesquisa “cor ou raça dos servidores civis ativos do executivo federal”, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), nos cargos comissionados de mais alto escalão do Executivo Federal, para cada 1 pessoa negra ocupando esse espaço, 50 homens brancos foram nomeados. Não foi um ou 2. Ou seja, para  cada foguete que temos soltado pela nomeação de uma pessoa negra, os brancos têm soltado malmente um traque por conta da nomeação de 50. 

Então, por que os provocadores e analistas negros, que buscam pensar sobre essas mesmas políticas e seus impactos, são cancelados, isolados, demitidos, não empregados ou sofrem retaliações sendo colocados no papel de inimigo enquanto que os provocadores brancos têm seus pensamentos e olhares considerados válidos? Ninguém desconsidera as reflexões que acontecem na Globonews e outros quando o assunto é “como eu sou impactando“ por referida política ou ação governamental.  Resgatar  o respeito e legitimidade dos pensadores e provocadores da área social e econômica negra é fundamental dentro de uma realidade que tem  afundado pessoas negras  a cada momento. 

Cobrar do governo posicionamentos e ações que mudem a vida destes não pode tornar os diferentes modelos de reivindicação inimigos ou pessoas não gratas na conjuntura que tem sido construída. São 100 dias de governo, e ainda que seja um governo de “ inclusão”, os homens e as mulheres brancas ainda são mais de 65% dos funcionários, e as mulheres negras continuam se mantendo em menos de 2%.  Ou seja, nestes 100 dias de governo a ação mais intensa e concreta que o governo produziu foi mandar de volta para diferentes cargos os brancos que saíram do governo no golpe. E olhe que a maioria desses não tiveram nenhuma perda, já que os governos locais os acolheram. 

E as pessoas negras? O que aconteceu com a maioria delas? Quantas retornaram para o governo da mesma forma que os brancos? De acordo com o IPEA, a parcela de servidores negros que ingressaram no Executivo Federal mais que dobrou nas últimas duas décadas, saiu de 16,8% para 43,5% em 2020 (ou seja… esse aumento não faz parte das ações de nomeação que aconteceram para o governo atual), pelo contrário, essa representatividade decresce à medida que a hierarquia e, claro, os salários, sobem. Quando o dinheiro vai para balança, os menos representados nos cargos públicos mais altos e no nível mais elevado de cargos comissionados são as pessoas negras. Ou seja… para cada uma pessoa negra no diário oficial, mais de 30 pessoas brancas tomaram posse nestes 100 dias de governo e se inaugurou a categoria: nomear em mais de um cargo, quem já está nomeado ou ocupando alguma posição. 

Em números, isso quer dizer que a divisão racial desse tipo de vínculo comprova que, embora a participação geral dos negros tenha crescido nos últimos anos, eles estão em cargos do escalão mais baixo. Traduzindo, a composição racial dos cargos de nível superior no executivo federal obedece a lógica comum na sociedade: homens brancos no topo, seguidos por mulheres brancas, homens negros e, por último, mulheres negras. Os homens brancos continuam representando 36,3% desses vínculos, e as mulheres brancas, 28,8%, totalizando 65,1%. Já os homens negros são 15,6%, e as mulheres negras, 11,7%, ainda não passam de 27,3% dos cargos.

De acordo com o IPEA, essa diferença não tem como não ser atribuída à própria desigualdade na ocupação dos cargos, já que a sub-representação dos negros é maior à medida que a hierarquia sobe. Levando em conta que as primeiras políticas de ação afirmativa entraram em vigor no país no início dos anos 2000 e já eram mais de 40 em estados e municípios em 2012 e que somente dois anos depois o Governo Federal passou a destinar 20% das vagas em concursos públicos para candidatos negros, esses números na atualidade deveriam ter mudado, o que não ocorreu. 

Somos nós que estamos morrendo e enlouquecendo por ausência de moradia digna e trabalho, que possam nos manter com os princípios mais básicos de existência. O combate à desigualdade não pode continuar sendo falacioso e de discurso aplausível, ele precisa ser real.  Ao não ter colocado como um dos critérios para ser ministro, a contratação levando em conta o quesito cor, já que as cotas no serviço público é uma ação do governo que retomou o poder, o governo nestes 100 dias só demonstrou que sem essa ação suas equipes de trabalho e modelo de nomeação não alterou essa realidade descrita. Isso nos coloca diante de uma realidade que vem demonstrando que daqui a uns tempos estaremos especializados em ter desempregados com diploma.

Desta forma, refletir e questionar a forma como os processos acontecem não pode continuar sendo pelas pessoas negras tratadas com temor. Precisamos entender que falar de economia e políticas públicas de impacto é falar de nossa vida coletiva e individual. Deixo, então, o convite a reflexão sobre esses 100 dias de governo (não importa sobre qual esfera) e o pedido para que lembremos que ele tem um custo para nós enquanto pessoas negras.