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Desafio Salvador Resiliente: uma cidade das Mulheres?

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Dos mais leigos aos mais informados, é unânime o entendimento de que Salvador tem o posto de capital negra do país devido a sua maior proporção de negros entre as capitais brasileiras. Estamos falando do equivalente a 1,078 milhão de pessoas. A participação de negros (pretos e pardos) em 82,1% e de pessoas que se declaram pretas 36,5%, ao mesmo tempo que dá destaque à cidade diante da média nacional, vira um problema central, uma vez que quando se trata de estatísticas por cor ou raça, Salvador ocupa outro topo: o da desigualdade salarial.

Segundo a PNAD Contínua Trimestral, o rendimento dos trabalhadores que se declaram de cor preta fica em R$ 1.640 na capital baiana, o equivalente a 1/3 (ou -67,0%) do que ganham os que se declaram brancos (R$ 4.969). Estamos falando de uma diferença salarial gritante entre brancos e pretos e significativamente superior às diferenças no Brasil e na Bahia como um todo.

Para se ter uma ideia, os trabalhadores pretos no país tiveram rendimento médio de R$ 1.608, pouco mais da metade (55,6%) do que ganharam os brancos (R$ 2.891). Pensar as mulheres, sobretudo as negras, como contribuidoras centrais da retomada econômica da cidade de Salvador, além de refletir sobre o lugar simbólico e, muitas vezes, físico, que ocupam enquanto posição estrutural de sujeito, traz ainda um olhar sobre o modelo econômico da cidade. Economia derivada de um poder que retranca não somente seu desenvolvimento, como suas identidades políticas e pessoais que as condenam à última posição na hierarquia socioeconômica do município.


Ao pensar como potencializar soluções inovadoras, criadas e/ou gerenciadas por mulheres de forma que essas possam contribuir para o fortalecimento da Estratégia de Resiliência da Cidade de Salvador, o edital DESAFIO – MULHERES E TECNOLOGIA caso consiga dialogar com os 166 bairros da cidade, estará construindo as primeiras tentativas de quebra do ciclo de reprodução de uma desigualdade que é feminina, negra e periférica. Além de fomentar o debate econômico sobre outra perspectiva de cidade resiliente, tendo como ponto de fortalecimento da economia as dinâmicas, modelos econômicos, de geração de emprego e renda plural, local e único que uma cidade como Salvador tem em suas comunidades.

Ao pensar um edital cujo ponto central são negócios resilientes e inovadores liderados por mulheres e que combinem o uso da tecnologia com soluções para tornar a economia soteropolitana mais resiliente, inclusiva e sustentável, ajudando a minimizar o impacto socioeconômico do coronavírus, esse edital nos traz a possibilidade de pautar “a invisibilidade da mulher negra nos espaços formais de representação política e movimentação financeira.”

Sem o fomento do componente raça nas novas formas de economia colaborativa, ao menos em um cidade como Salvador, onde o quesito cor contribui para o desenvolvimento ou aumento das desigualdades, especialmente das populações mais vulneráveis (expressa na maneira informal de criação de trabalho e renda e inclusão econômica destas mulheres periféricas via seus restaurantes, entrega de quentinhas para obras, tabuleiros de acarajé e salgados dentre tantas outras formas usadas para geração de capital financeiro), deixamos de dialogar com a beleza deste projeto que é a inclusão destas especificidades econômicas.

Ter um olhar sobre essas experiencias de economia doméstica, como algo a ser considerado na retomada econômica da cidade em iniciativas, projetos e negócios com potencial de contribuição para melhorar a resiliência de uma cidade plural, feminina e com especificidades distintas como Salvador, principalmente em tempos de coronavírus, é confiar no poder de organização financeira destas que geralmente ocupam a posição social mais baixa na hierarquia socioeconômica. Olha só que riqueza!
Participar deste edital, em especial as mulheres negras, é trazer para o debate financeiro que modelo econômico de cidade queremos, valorizando a relação destas no lidar com o fazer econômico no seu cotidiano entre o doméstico e o público. Afinal não podemos esquecer que essas mulheres, mais que ninguém, conhece de resiliência e administração financeira com poucos recursos e muitas demandas, uma vez que são a maioria no desemprego, acompanhadas de seus filhos e netos.

O edital salienta a importância de 51% ou mais dos cargos de tomada de decisão do negócio ser ocupados por mulheres, o que nos permite além de profissionalizar nossos projetos, dialogar com uma informalidade que não dá conta de absorver as pessoas sem uma precarização de mercado cada dia mais forte. Aguardo vocês nesta disputa que mais que consultoria com o Sebrae Bahia, mentoria com pessoas de diversas áreas e U$8 mil em recursos financeiros para melhorar a implementação das soluções, oferece a chance de trazer para o centro do debate de uma cidade que é feminina, mas que não respeita as mesmas. Como bem ensinou Oxum, ao retirar a água do mundo para forçar os homens a incorporar as mulheres na criação do mundo: “quem gera a vida não pode ou deve estar distante das decisões que impactam a humanidade”. Então, mulheres, vamos à disputa.