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Discurso de inclusão e políticas de fato: A ausência de cor no Serviço publico

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Luciane Reis

Quem se interessa pela área econômica, com certeza tem acompanhado todos os questionamentos e cobranças feitas pelo setor industrial e empresarial a Haddad e sua equipe. O interessante, é que ninguém está constrangido de perguntar ao ministro e sua equipe, o que tem de concreto para a área/ setor que elas atuam após esses 100 dias?

Dados: Ipea | Gráfico: bxblue (via Flourish)

Diferentes meios de comunicação, debatem as ações de governo e o impacto para suas áreas de interesse. E olhe que se a gente pensar na perspectiva das pessoas brancas, lula nomeou 37 ministros, sendo menos de 10 negros. Então o que faz com que elas estejam preocupadas, debatendo ou até mesmo descontentes, enquanto outros setores que buscam fazer o mesmo são tratados com hostilidade?

 Claro que não tenho respostas para isso. Mas se começarmos pelo básico, emprego, as pessoas negras já adentram esses 100 dias em desvantagens. De acordo com a pesquisa “cor ou raça dos servidores civis ativos do executivo federal”, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), nos cargos comissionados dos mais alto escalão do executivo federal, para cada 1 pessoa negra ocupando esse espaço, 10 ou 20 homens brancos foram nomeados. Não foi um ou 2. De acordo com Filipe Andretta , o Brasil não sabe a cor de 93% dos servidores públicos, e isso obviamente afeta a  inclusão.

Então, por que provocadores e analistas negros, que buscam pensar sobre essas mesmas políticas e seus impactos, são cancelados, isolados, demitidos, não empregados ou sofrem retaliações sendo colocados no papel de inimigo, enquanto que provocadores brancos têm seus pensamentos e olhares considerados validos?

A omissão de dados na administração pública, é bem maior do que a média do mercado de trabalho formal (27,7%). De acordo com Andretta, a cada 3 empregados dentro da classificação indefinida no Brasil, 2 são servidores públicos. Sobre essa perspectiva, saber a cor / raça do serviço público no Brasil é repensar a única modalidade de trabalho onde a pessoa negra de fato depende somente do seu conhecimento. Ninguém desconsidera as reflexões que acontecem na Globonews e outros meios, quando o assunto é “ como eu sou impactando “ por referida política ou ação governamental?  Resgatar o respeito e legitimidade dos pensadores e provocadores da área social e econômica negra, é fundamental dentro de uma realidade que tem afundado pessoas negras a cada momento.

Cobrar do governo posicionamentos e ações que mudem a vida destes, não pode tornar os diferentes modelos de reivindicação inimigos ou pessoas não gratas na conjuntura que tem sido construída. São 100 dias de governo, e ainda que seja um governo de “ inclusão”, os homens e as mulheres brancas ainda são mais de 65% dos funcionários, e as mulheres negras continuam se mantendo em menos de 2 %.  Ou seja, nestes 100 dias de governo a ação mais intensa e concreta que o governo produziu, foi mandar de volta para diferentes cargos os brancos que saíram do governo no golpe.

Quem ficou de fora?

E as pessoas negras? O que aconteceu com a maioria delas? Quantas retornaram para o governo ou outros órgãos estatais da mesma forma que os brancos? Essa é uma pergunta que precisa de respostas, pois depois da administração pública, os setores com maiores índices de trabalhadores sem informação de cor/raça na pais está na advocacia (14%) e petróleo e gás (12,9%). Os melhores indicadores estão no setor bancário (0,7%) e de empresas aéreas (1,3%), segundo a  Rais de  2018, espaços que na maioria das vezes esses não passam das hierarquias inferiores. 

Mesmo o  IPEA sinalizando que a parcela de servidores negros que ingressaram no Executivo Federal mais que dobrou nas últimas duas décadas, saindo de 16,8% para 43,5% em 2020, a realidade é que  esse aumento não faz parte das ações de nomeação que aconteceram no governo 2023. Pelo contrário, essa representatividade decresce à medida que a hierarquia e, claro, os salários, sobem. Quando o dinheiro vai para balança, os representados nos cargos públicos mais altos e no nível mais elevado dos comissionados, não são as pessoas negras.

Os dados mostram que… em um governo que se diz de inclusão, a contratação de pessoas negras não acontece nem meio a meio.  Ao analisar os dados do IPEA e o levantamento foi pelo Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades) a partir de micro dados da Rais 2018 (Relação Anual de Informações Sociais), para cada uma pessoa negra no diário oficial, mais de 30 pessoas brancas tomaram posse e para esses 100 dias de governo este dado não sofreu alteração. Pelo contrário, se inaugurou a categoria, nomear em mais de um cargo, quem já está nomeado ou ocupando alguma posição.

Os números contam histórias

A divisão racial desse tipo de vínculo comprova que, embora a participação geral dos negros tenha crescido nos últimos anos, eles estão em cargos do escalão mais baixo. Traduzindo, a composição racial dos cargos de nível superior no executivo federal obedece a lógica comum na sociedade: homens brancos no topo, seguidos por mulheres brancas, homens negros e, por último, mulheres negras. Os homens brancos continuam representando mais de 36% desses vínculos, e as mulheres brancas, mais de 28%, totalizando uma média de 65,1% da gestão pública federal. Já os homens negros não chegam a 16%, e as mulheres negras a 12%, juntos esses ainda não são menos de 29% dos cargos  total levando em conta todas as posições.

O combate à desigualdade, não pode continuar sendo falaciosa e de discurso aplausível, ela precisa ser real.  Ao não ter colocado como um dos critérios para ser ministro, a contratação levando em conta o quesito cor tendo como base o fato das cotas no serviço público ser uma ação do governo que retomou o poder, o governo nestes 100 dias só demonstrou que sem essa ação suas equipes de trabalho e modelo de nomeação não alterou a realidade descrita. Isso nos coloca diante de uma realidade que vem demonstrando que daqui a uns tempos, estaremos especializados em ser uma categoria de desempregados com diploma.

Precisamos entender que falar de economia e políticas públicas de impacto, é falar de nossa vida coletiva e individual. Neste sentido, deixo o convite a reflexão sobre esses primeiros meses de governo (não importa sobre qual esfera) e o pedido para que lembremos que ele tem um custo para nós enquanto pessoas negras. Portanto, temos que falar sobre isso.

Luciane Reis é publicitária e atuou na gestão pública por 15 anos. Mestra em Gestão e Desenvolvimento pelo CIAGS-UFBA, e Líder acelerada pelo Fundo Baobá e Ceo do Mercafro educação Corporativa – Apresenta o programa Me Despache, na TV Kirimurê