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Empreendedorismo na África: novos negócios atraem investidores e gigantes de tecnologia

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O continente é um campo de testes de condições extremas – e de oportunidades – sem igual no mundo. Conheça startups que trazem inovação e desenvolvimento a vários países

RAQUEL GRISOTTO, DE NAIRÓBI

MISSÃO
Njoki Gichinga, diretora de parcerias do iHub, incubadora e espaço de coworking no Quênia. “Há muitas oportunidades. Vamos abraçá-las com todas as forças” (Foto: Nichole Sobecki/VII/Redux/Latinstock) 

Pela rodovia Mombasa, uma das principais do Leste Africano, os carros avançam devagar. O trânsito é lento o tempo todo. Perto da Land Rover blindada, transporte-padrão dos estrangeiros que vêm trabalhar no Quênia, segue um matatu, ônibus multicolorido que roda sobre velhos chassis de caminhão. A estrada corta a capital, Nairóbi. Vacas e cabras pastam no acostamento largo de terra batida e o esgoto segue a céu aberto por longos trechos. Muita gente caminha ao longo da estrada e o comércio de rua oferece quase tudo, de sofás, camas e fogões a lápides de cemitério. Alguns comerciantes, a pé, arriscam-se pelos vãos do trânsito para incentivar a compra. Gritam em swahili (o idioma oficial do país, junto com o inglês) ou em algum dos 43 dialetos locais. Conforme o carro se aproxima de um bairro elevado no centro da cidade, a paisagem começa a mudar.

A Land Rover avança por Upper Hill, onde se vê menos gente caminhando, mais árvores e muito mais obras em andamento. A área já foi mais residencial e abrigou principalmente brancos, executivos expatriados e diplomatas. Agora, o bairro se transforma. Operários e máquinas de construtoras chinesas duplicam vias e levantam novos edifícios comerciais. A demanda por espaço multiplicou por seis o preço do metro quadrado na área desde 2010. Upper Hill vem acomodando escritórios de companhias estrangeiras, investidores e pequenas empresas de base tecnológica. É o bairro da moda para quenianos e estrangeiros bem formados que querem criar novos negócios. Em comum, tentam resolver problemas locais – e enriquecer ao fazer isso. Tudo bem pedagógico para quem vive no Brasil.

Os problemas e as oportunidades soam familiares: territórios extensos e pouco povoados, que exigem investimento em cobertura de telecomunicações e internet; lacunas sérias e potencial imenso para inovações em transporte, energia, saneamento, habitação, agronegócio; grande população jovem, pobre e mal instruída, porém culturalmente inventiva, receptiva a tecnologia e ansiosa por consumir. Para completar, o Quênia, especificamente, passa por um período que combina instabilidade política (emperrada por defeitos velhos) e efervescência empreendedora (acelerada por ideias novas). Quem chega do Brasil pode se sentir meio em casa.

Adrica (Foto:  )
VANGUARDA Entardecer em Nairóbi, capital do Quênia. O país é referência em serviços de pagamentos digitais e, entre emergentes, aparece na lista dos mais promissores do mundo para negócios de tecnologia (Foto: Divulgação) 

No sexto andar de um desses novos edifícios envidraçados, o Senteu Plaza, fica o iHub, mistura de coworking e incubadora. É peça-chave para Nairóbi merecer o apelido de Savana do Silício. Tem fama de ambiente de inovação mais produtivo da África. Em sete anos de existência, abrigou 170 startups e gerou uma rede que conecta 17 mil profissionais. Começou em 2010, como projeto social de um grupo de jovens quenianos que queriam um espaço para trabalhar e discutir ideias. Operou graças a doações de fundações e empresários, como o francês Pierre Omidyar, fundador do eBay. Nessa fase, o iHub ajudava a treinar programadores e oferecia gratuitamente espaço a quem precisasse de internet rápida para montar seu negócio (sem fins lucrativos, o espaço também havia acumulado dívidas e gerado acusações de gestão ruim contra seus administradores). Em dezembro de 2017, o perfil mudou.

Pela rodovia Mombasa, uma das principais do Leste Africano, os carros avançam devagar. O trânsito é lento o tempo todo. Perto da Land Rover blindada, transporte-padrão dos estrangeiros que vêm trabalhar no Quênia, segue um matatu, ônibus multicolorido que roda sobre velhos chassis de caminhão. A estrada corta a capital, Nairóbi. Vacas e cabras pastam no acostamento largo de terra batida e o esgoto segue a céu aberto por longos trechos. Muita gente caminha ao longo da estrada e o comércio de rua oferece quase tudo, de sofás, camas e fogões a lápides de cemitério. Alguns comerciantes, a pé, arriscam-se pelos vãos do trânsito para incentivar a compra. Gritam em swahili (o idioma oficial do país, junto com o inglês) ou em algum dos 43 dialetos locais. Conforme o carro se aproxima de um bairro elevado no centro da cidade, a paisagem começa a mudar.

A Land Rover avança por Upper Hill, onde se vê menos gente caminhando, mais árvores e muito mais obras em andamento. A área já foi mais residencial e abrigou principalmente brancos, executivos expatriados e diplomatas. Agora, o bairro se transforma. Operários e máquinas de construtoras chinesas duplicam vias e levantam novos edifícios comerciais. A demanda por espaço multiplicou por seis o preço do metro quadrado na área desde 2010. Upper Hill vem acomodando escritórios de companhias estrangeiras, investidores e pequenas empresas de base tecnológica. É o bairro da moda para quenianos e estrangeiros bem formados que querem criar novos negócios. Em comum, tentam resolver problemas locais – e enriquecer ao fazer isso. Tudo bem pedagógico para quem vive no Brasil.

Os problemas e as oportunidades soam familiares: territórios extensos e pouco povoados, que exigem investimento em cobertura de telecomunicações e internet; lacunas sérias e potencial imenso para inovações em transporte, energia, saneamento, habitação, agronegócio; grande população jovem, pobre e mal instruída, porém culturalmente inventiva, receptiva a tecnologia e ansiosa por consumir. Para completar, o Quênia, especificamente, passa por um período que combina instabilidade política (emperrada por defeitos velhos) e efervescência empreendedora (acelerada por ideias novas). Quem chega do Brasil pode se sentir meio em casa.

Adrica (Foto:  )
VANGUARDA Entardecer em Nairóbi, capital do Quênia. O país é referência em serviços de pagamentos digitais e, entre emergentes, aparece na lista dos mais promissores do mundo para negócios de tecnologia (Foto: Divulgação) 

No sexto andar de um desses novos edifícios envidraçados, o Senteu Plaza, fica o iHub, mistura de coworking e incubadora. É peça-chave para Nairóbi merecer o apelido de Savana do Silício. Tem fama de ambiente de inovação mais produtivo da África. Em sete anos de existência, abrigou 170 startups e gerou uma rede que conecta 17 mil profissionais. Começou em 2010, como projeto social de um grupo de jovens quenianos que queriam um espaço para trabalhar e discutir ideias. Operou graças a doações de fundações e empresários, como o francês Pierre Omidyar, fundador do eBay. Nessa fase, o iHub ajudava a treinar programadores e oferecia gratuitamente espaço a quem precisasse de internet rápida para montar seu negócio (sem fins lucrativos, o espaço também havia acumulado dívidas e gerado acusações de gestão ruim contra seus administradores). Em dezembro de 2017, o perfil mudou.

Conforme secou o dinheiro para setores tradicionais, fluiu o investimento para nichos criativos. Só em 2016, startups africanas levantaram US$ 367 milhões, na estimativa da gestora Partech Ventures – valor quase dez vezes superior ao registrado quatro anos antes. O simples surgimento desse tipo de estimativa mostra uma mudança no jeito de avaliar a região. “Há tanta dificuldade [na África] de as pessoas terem acesso a serviços básicos, a produtividade é tão baixa, que as possibilidades de melhoria são inúmeras”, diz Miguel Granier, diretor-geral do Invested Development, o fundo que apostou no iHub e colocou US$ 20 milhões no continente. “Nos negócios, esses desafios se traduzem em ganhos exponenciais. Os riscos são altos, mas as perspectivas de lucro, gigantescas.”

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Se os valores envolvidos parecem pequenos para os padrões do Vale do Silício, bastam para fazer florescer startups em países pobres. África do Sul e Nigéria, as maiores economias da África subsaariana, também têm cena empreendedora vibrante e costumam abocanhar, junto com o Quênia, as maiores fatias de capital vindo de fora do continente (numa rodada de investimento em 2015, a empresa de varejo online e de entregas Jumia, fundada na Nigéria por Tunde Kehinde e Raphael Afaedor, foi avaliada em mais de US$ 1 bilhão e tornou-se o primeiro unicórnio da África, bem antes de o Brasil ter o seu, o aplicativo de táxis 99). O exemplo do iHub fez surgir incubadoras em outras cidades quenianas, como a SwahiliBox, em Mombasa, e a Dlab Hub, em Eldoret. Unem-se a um ecossistema que inclui Wennovation e Co-Creation Hub, em Lagos, na Nigéria, blueMoon, em Adis-Abeba, na Etiópia, e Bandwidth Barn, na Cidade do Cabo, África do Sul. Não se trata de euforia local. Há consistência, percebida mundo afora.

Em dezembro, durante um encontro em Adis-Abeba, na Etiópia, Christine Lagarde, diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), destacou as inovações que vêm da África e ressaltou a importância de cultivar as iniciativas na região. “Além de ser uma oportunidade sem paralelo para a geração de empregos aos mais jovens, a inovação é uma forma eficiente de reduzir o hiato de infraestrutura do continente”, disse Christine. Ela destacou que a tecnologia “molda a África de agora” e que, com os investimentos corretos, “poderá ser a ferramenta mais poderosa para fortalecer a África do futuro”.

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INSPIRAÇÃO A nigeriana Honey Ogundeyi, do e-commerce Fashpa. Ela criou um dos mais bem-sucedidos casos de varejo de moda do continente (Foto: Divulgação) 

O FMI acompanha o Banco Mundial, que escolheu startups como um meio relativamente barato de fomentar o desenvolvimento na região. Em dezembro, por meio do infoDev, um programa que visa organizar e expandir negócios locais ligados à tecnologia, o banco selecionou 20 empresas (de 900 inscritas) para receber até US$ 1,5 milhão em investimentos de um grupo de sete fundos. “O total de inscrições e a qualidade dos casos apresentados são uma mostra de como as startups africanas podem ser competitivas e importantes para o crescimento da economia”, disse Klaus Tilmes, diretor de mercado e competitividade do Banco Mundial, durante a premiação. Destacaram-se fintechs, agritechs e empresas dedicadas a saúde e transportes. Uma nova rodada do infoDev deve acontecer em breve.

É preciso sempre dosar as expectativas, ao avaliar bons momentos em países subdesenvolvidos. Essas nações, com instituições e economias frágeis, costumam cambalear. No caso da África, estamos tratando do continente mais pobre do mundo, acossado por doença, violência, radicalismo e instabilidade política. Entre quenianos, há um debate público bem vivo – será que o ímpeto inovador pode perder o fôlego? É bem possível, dado o histórico de vaivéns comum em países emergentes. Basta lembrar a diferença entre o Brasil eufórico dos anos 2000 e a crise atual. Mas, por enquanto, os quenianos podem celebrar. O país avança há três anos seguidos no ranking Doing Business, do Banco Mundial, que mede a facilidade para fazer negócios. Depois de perder posições, entre 2008 e 2013, o Quênia voltou a avançar e subiu da 129ª para a 80ª posição (ultrapassando o Brasil, que está em 125º). O bom momento, por enquanto, faz as histórias inspiradoras proliferarem mais rapidamente que as previsões pessimistas.

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Casos de diferentes dimensões agitam a cena local. No ano passado, após receber investimento de US$ 4 milhões, a BRCK, do engenheiro e empreendedor Erik Hersman, lançou um roteador wi-fi à prova d’água e que se alimenta de energia solar. O equipamento ultrarresistente, projetado para uso em localidades isoladas na África, oferece até cem conexões de internet e consegue sustentar streaming de vídeo para 50 dispositivos no entorno. Sua empresa já havia lançado um kit educativo que inclui tablets resistentes e com baixo consumo de energia. Os produtos receberam cobertura elogiosa da mídia, na Europa e nos Estados Unidos. ­Hersman é um dos integrantes da turma original de criadores do iHub e passou a infância entre Quênia e Sudão. Subindo os degraus da pirâmide de investimentos, encontram-se casos como o da plataforma B2B de comércio de alimentos Twiga Foods, criada por Peter Njonjo, que captou US$ 10,3 milhões em 2017, e o da M-Kopa Solar, que no ano passado foi apontada pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, como uma das 50 startups mais inovadoras do mundo. A empresa criou um dispositivo de fornecimento pré-pago de energia solar, com manutenção baratíssima, após captar US$ 33 milhões em investimento, em 2015. A M-Kopa foi fundada por três executivos – os ingleses Chad Larson e Nick Hughes, com o canadense Jesse Moore – que haviam trabalhado por anos no Quênia, com telecomunicações e finanças, e decidiram empreender. Se o Quênia dispara startups em série, na Nigéria parece haver outra gigante em gestação, no rastro do unicórnio Jumia.

Trata-se da empresa de e-commerce Fashpa, fundada pela ex-executiva Honey Ogundeyi. Depois de viver anos na Europa, onde trabalhou em companhias como McKinsey, Ericsson e Google, Honey decidiu criar algo que ela mesma gostaria de ter encontrado quando voltou à Nigéria, em 2015 – um canal para compra de roupas online. Partiu de uma ideia simples e a incrementou, com análise de dados detalhada de suas potenciais consumidoras. Em vez de simplesmente revender peças, a Fashpa reuniu artesãs para fabricá-las, depois que Honey descobriu que valeria a pena trabalhar com design exclusivo e inspirado em peças tradicionais. “Logo, logo, teremos mais um unicórnio”, anuncia ela em seu blog, acompanhado por centenas de africanas.

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POBREZA Kawangware, uma das maiores favelas de Nairóbi. Mais de 250 mil pessoas vivem ali, sem rede de esgoto e com alto índice de violência (Foto: Divulgação) 

As oportunidades vistas pelos empreendedores nativos não escapam do radar de companhias globais. Elas veem na África duas possibilidades atraentes – a primeira, a expansão de negócios num ritmo impensável em mercados maduros e mesmo na China (a África abriga seis das 12 economias que mais cresceram no mundo de 2014 a 2017, segundo o Banco Mundial); a segunda, um campo de testes de condições extremas para experimentar produtos e serviços.

Por isso o governo chinês apresentou no ano passado uma estratégia de investimento de US$ 60 bilhões no continente. Em 2017, a China superou os Estados Unidos como maior investidor na África, pelos cálculos do jornal britânico Financial Times. Apenas uma fração desse dinheiro vai para empreendimentos de base tecnológica. Mesmo assim, a dinâmica desses negócios parece ser mais benéfica aos africanos do que se pensava anteriormente. A consultoria McKinsey fez uma pesquisa de campo, no ano passado, em oito países africanos. Avaliou a atuação de companhias chinesas de diversos setores, como as fabricantes de equipamentos de telecomunicações Huawei e de celulares Tecno. Concluiu que, na maioria dos casos, elas geram empregos de boa qualidade para africanos, inclusive em cargos de gestão, e que há transferência de tecnologia. Trata-se de uma versão distinta da apresentada pelos que viam o avanço da China apenas como uma nova onda colonialista.

Os mesmos fatores que atraem os chineses levam Microsoft, IBM, Google e Facebook, entre outras, a ter planos ambiciosos por lá. As quatro ajudaram o iHub no início e continuam a fazer parte do ecossistema – mas agora como parceiras de negócios em vez de doadoras. “Elas usam o iHub para prospectar novas oportunidades ou profissionais capacitados para alguns de seus empreendimentos pelo continente”, diz Njoki. Mark Zuckerberg visitou o espaço de coworking em 2016, ainda nas antigas instalações. Saiu de lá falando bem. “É inspirador ver como os engenheiros estão conseguindo criar soluções para ajudar a comunidade”, disse. Em outra parada, na Nigéria, país mais populoso da África, concluiu: “É aqui que o futuro será construído”.

O discurso tem tido resultados práticos. No ano passado, a Microsoft apresentou seu projeto de abrir, em 2018, seus dois primeiros data centers no continente, na Cidade do Cabo e em Johannesburgo, na África do Sul. Facebook e Google anunciaram planos independentes para instalar redes de fibra ótica – respectivamente, 800 quilômetros em Uganda, em parceria com as operadoras locais Airtel e BCS, e mil quilômetros em Gana (o Google já havia instalado outros mil quilômetros em Uganda). As duas empresas avaliam estratégias mais mirabolantes de oferecer cobertura de internet a grandes áreas com custo menor – já falaram em usar drones e balões. Enquanto avaliam essas possibilidades, porém, movimentam-se de forma pragmática, conectando cidades importantes com a boa e velha fibra ótica.

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CONECTADA Edi Mgaiga, em frente à sua duka (banca), onde vende legumes, peixe seco e sabão. Com um serviço novo chamado Kionect, ela pede as mercadorias por celular e se abastece diariamente (Foto: Divulgação) 

Ao mesmo tempo, a IBM cria um banco de dados sem igual a respeito de uso da água e recursos naturais por tribos no norte do Quênia. O trabalho é conduzido a partir de um centro de inovação em Nairóbi, com coordenação do cientista Jonathan Lenchner, que se instalou na cidade em 2016. Ele foi um dos responsáveis pelas demonstrações públicas da capacidade da inteligência artificial Watson e continua a usar IA em seu trabalho na África. Sua equipe em Nairóbi inclui a engenheira americana Aysha Walcott-Bryant. Parte da rotina dela é sair a campo em busca de dados sobre malária. “O maior desafio é convencer enfermeiras, agentes de saúde pública e a população em geral sobre a importância de preservar informações”, diz Aysha. “Ainda não há aplicação comercial para o que fazemos aqui”, diz Lenchner. “Mas a partir desse trabalho temos subsídios para muitas inovações.” Outra equipe, num centro de inovação similar, em Johannesburgo, África do Sul, estuda políticas de saúde e urbanismo. Os laboratórios da IBM na África produziram, em poucos anos, 22 patentes.

É nas microfinanças, porém, que a África subsaariana se mostra o maior front de experiências do mundo. A região abriga um décimo do total global de assinantes de telefonia móvel e segue com a maior taxa de crescimento no mundo, 6,5% ao ano, segundo a consultoria GSMA. Até 2020, haverá quase 1 bilhão de telefones, metade deles smartphones. O acesso a redes 4G, hoje ainda raro, deverá chegar a quase metade da população. A difusão de serviços móveis tem efeitos mensuráveis em bem-estar e crescimento econômico.

Com 250 mil habitantes, Kawangware forma uma das maiores favelas de Nairóbi. As habitações são erguidas com placas de ferro, papelão ou barro. Não há rede de esgoto e o índice de violência é altíssimo. Os desafios para tocar um negócio ali são imensos. Mãe solteira, com duas filhas, Edi Mgaiga, de 33 anos, herdou do pai uma barraca, uma duka, em uma esquina. As dukas, geralmente informais, vendem frutas, vegetais, peixe seco, sabão em barra e arroz à comunidade local. Até pouco tempo, todo dia, antes de abrir a barraca, Edi tinha de fazer longas caminhadas até um kaskazi (espécie de atacadão) para comprar as mercadorias. Voltava com quilos de produtos nas costas, sob o risco de ser assaltada. “A violência é muito complicada por aqui”, conta Edi. “Tinha medo de pedir para minhas filhas fazerem isso. Mas o tempo que gastava para ir e vir do kaskazi era um tempo que eu deixava de vender. Ganhava menos.”

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LIÇÕES Crianças da periferia de Nairóbi usando o sistema da BRCK, uma startup local. Os tablets garantem a professores e alunos acesso a conteúdo pedagógico mesmo com fornecimento de energia incerto (Foto: Divulgação) 

Recentemente, Edi descobriu o Kionect, um sistema que permite a pequenos comerciantes pedir e pagar por pedidos de produtos usando o celular. Agora, logo pela manhã, ela aciona o aplicativo, escolhe o que vai querer e em 20 minutos recebe um motoqueiro com suas mercadorias. “Estou achando uma maravilha”, diz Edi. Criado por iniciativa da Mastercard em parceria com uma startup especializada em microfinanças, a Musoni, o Kionect já atende a mais de mil dukas das regiões mais pobres de Nairóbi. “Foi um grande desafio desenvolver um produto viável economicamente e que pudesse ao mesmo tempo atender a população mais carente do país”, afirma Michael Elliott, vice-presidente da Mastercard para inclusão financeira. “Mas com essa experiência abrimos oportunidades para oferecer esse tipo de solução a vários outros mercados emergentes.”

Iniciativas como o Kionect ajudam a fazer do Quênia uma referência mundial em meios de pagamento digitais. O caminho começou a ser traçado em 2007, quando a Safaricom, subsidiária da Vodafone e maior operadora do Quênia, lançou o M-Pesa. O serviço foi o primeiro do mundo a oferecer a comerciantes e clientes a possibilidade de pagar contas usando um aparelho de telefone, e contribuiu de forma decisiva para a inclusão financeira do país. Um estudo do MIT apontou que, simplesmente por ter acesso ao M-Pesa, 2% dos domicílios quenianos foram retirados da pobreza entre 2008 e 2014. Também graças ao M-Pesa o Quênia surgiu pela primeira vez no mapa das grandes empresas de tecnologia, e a África passou a se destacar como um bom destino para investimentos no setor. A alta conectividade (mesmo que por redes 2G e 3G) desempenha hoje um papel fundamental no desenvolvimento social e econômico da África e é a principal plataforma para inovação em vários países. Não se pode dizer quanto vai durar o bom momento, mas há algo em construção – multiplica-se rapidamente o número de ícones locais do empreendedorismo. “A inovação vem do conhecimento, e geralmente é um processo que pode ser construído sobre experiências anteriores”, diz Kamal Bhattacharya, CIO da operadora queniana Safaricom. Atual presidente do conselho de administração do iHub e mentor de várias startups africanas, Bhattacharya conta que ele próprio passou de incrédulo a entusiasta do movimento de inovação. “No começo, quando vi aqueles jovens em pufes coloridos, tomando café gratuito e discutindo aleatoriamente um monte de ideias, duvidei do que estava acontecendo”, diz. “Hoje, posso afirmar: não há time mais engajado para promover mudanças.”

Da varanda do iHub, Njoki aponta para a vista. “Não é bom estar aqui?”, pergunta. Ela mesma responde: “Os ventos estão favoráveis. Havia espaço para evoluir e estamos abraçando essa possibilidade com todas as nossas forças”.

De Época Negócios